A idéia que a Europa tem do Brasil

A idéia que a Europa tem do Brasil

No jogo de espelhos que é este blog, que normalmente apresenta a visão da Itália de um italiano que vive no Brasil, hoje queria apresentar mais um reflexo: quero falar, por uma vez, do contrario, de como os italianos vêem o Brasil. Saiu uma matéria muito importante nestes dias no jornal Repubblica, em ocasião da visita do presidente dos Estados Unidos Barack Obama no Brasil. O autor da reportagem , Federico Rampini, é um jornalista e escritor afirmado, profundo conhecedor dos Estados Unidos, uma voz muito escutada na Itália; Repubblica è um dos dois maiores jornais nacionais. Enfim, a reportagem que saiu no dia 18 deste mês é daquelas, como se diria no Brasil, que formam a opinião. No meu ponto de vista, reflete muito bem o que os europeus informados e atentos à atualidade internacional pensam do momento atual do Brasil.  Com a autorização do Federico Rampini, traduzi a matéria, quase na integra,  e a apresento para vocês. Colocarei em um post sucessivo um pequeno comentário.

O Brasil do milagre agora é a locomotiva da economia mundial

Obama, pela primeira vez no Rio, visitará uma favela. Símbolo da pobreza, mas agora também do resgate de um país que cada ano atrai investimentos externos de 45 bilhões de dólares, mas é um exemplo de socialdemocracia

RIO DE JANEIRO –  O que são Estados Unidos? “Aquele lugar onde só tem inverno?” supõe João Paulo, 6 anos. Quem é Obama? “Obama é um Lula”, responde com decisão Agatha Vitoria, 5 anos. Aqui os meninos querem todos tornar-se Ronaldinho ou Kaká, a surpresa vem das meninas: quando interrogadas sobre a carreira muitas imaginam um futuro de empresarias. Não é um idéia tão obvia, no lugar onde elas estão. É uma sala da primeira serie no “Solar Meninos de Luz”. Uma instituição inserida entre duas famigeradas favelas do Rio, formigueiros de casinhas agarradas a um morro, cidades de barracos que devoraram a vegetação tropical para amontoar 15 000 moradores em construções ilegais, por décadas sem água corrente e sem luz, grudados como  crustáceos a uma parede íngreme que poderia desmoronar numa tempestade tropical.

Apenas no Brasil é possível que um lugar tão degradado se encontre exatamente na divisa entre as duas praias mais chiques e famosas de todo o hemisfério Sul: Copacabana e Ipanema. E em homenagem à fantasia carioca que desafia as adversidades do destino, estas duas favelas históricas no coração do Rio têm nomes de pássaros: Pavãozinho e Cantagalo. Eles são o símbolo de uma nação cruel, que por séculos viu conviver a poucos metros de distância o luxo descarado dos super-ricos e a miséria abjeta do subdesenvolvimento. Mas hoje, elas se tornaram o símbolo de algo novo: um desenvolvimento que, pela primeira vez, agride de verdade a pobreza, atenuando as desigualdades. Esta é a razão pela qual Barack Obama, que inaugura amanhã sua primeira visita como presidente na America do Sul, no domingo irá para o Rio e pediu para visitar uma favela. Sem clamor polêmico, sem os ideologismos cubanos ou venezuelanos, o Brasil destes anos se tornou um modelo de socialdemocracia que tem algo para ensinar para os Estados Unidos
(…)

A transformação da favela è fruto de uma ação combinada: alem dos voluntários que trabalham “em baixo” teve uma intervenção “do alto”.  No sentido literal: è do alto que caíram sobre esta e outras favelas do Rio os helicópteros do exército, grupos paramilitares, corpos especiais de combate. Uma verdadeira operação de guerra, planejada, um dos últimos atos do presidente Lula, em acordo com o governador do estado e com o prefeito. “95% das pessoas daqui não a percebeu como uma invasão, e sim como uma liberação”, me diz Sallyr Lerner, 65, que por toda a vida foi “o dentista das favelas”.
O Estado tomou pela primeira vez o controle deste território, mafiosos e traficantes fugiram. E aquela invasão espetacular não ficou um ato isolado. Os lixeiros que varrem as ruelas são um sinal que o Estado ainda está aqui. Como o carro da Polícia Pacificadora que controla a entrada da favela: uma presença impensável ainda um ano atrás, quando as forças de ordem não ousavam se aproximar. “Uma destas favelas –me conta a fotografa Ana Rodrigues- era chamada de Faixa de Gaza. Ali, os traficantes vendiam a droga nos banquinhos ao ar aberto, com o kalashnikov pendurado nas costas. As crianças pegavam minha mão para me levar onde eu podia fotografar as poças de sangue quente das vítimas dos últimos tiroteios”.

As favelas continuavam crescendo em altura, por causa dos “puxadinhos” das casas que acabam sobrepondo-se uma a outra. Mas a caótica colméia de Cantagalo agora já è toda de tijolos, e não de madeira: modesto sinal de um primitivo bem-estar que avança. Atrás da metamorfose das favelas há um fenômeno muito mais amplo. A taxa de desemprego brasileira caiu a 6,1%: o valor menor de todos os tempos, menor do que nos Estados Unidos e na União Européia. Parte deste progresso è simplesmente efeito do crescimento de todos os países emergentes. Nas palavras de José Carlos Martins, diretor executivo da Vale, que è o segundo colosso minerario mundial:”nós acordamos de manhã esperando que a China esteja bem”.

Soja, açúcar, café, madeira, cobre, ferro, ouro: tudo o que a natureza despejou com muita abundancia pelo Brasil, é extremamente visado nas nações asiáticas que são os locomotores do crescimento. Este País, que tornou-se tristemente célebre por suas bancarrotas, que entre 1940 e 1995 teve que mudar oito vezes nome à sua moeda por causa da hiperinflação, hoje se tornou o quarto maior credor  dos Estados Unidos. Os investimentos estrangeiros alcançam 45 bilhões de dólares por ano: apenas a China atrai mais dinheiro. O Brasil deu a letra inicial ao novo acrônimo dos Bric, com Russia India e China faz parte do clube das “outras” potencias, aquelas que aceleram enquanto o ocidente declina. No Rio e em São Paulo se respira a mesma confiança no futuro que lembro de ter percebido em Mumbai e em Shangai. Mas, entre os Bric, o Brasil é aquele que pode exibir a estrutura de exportações mais equilibradas. Diferentemente de China e India, o Brasil é um “celeiro” do mundo, tem uma agricultura moderna que pode competir com a dos Estados Unidos e produz muito mais do que consome. Diferente da Russia ou de outros países emergentes, não vive apenas de matérias primas. Exporta automóveis, celulares, eletrodomésticos, navios e locomotores. Sua jóia industrial é a Embraer, terceiro grupo aeronáutico mundial atrás de Boeing e Airbus.

Depois vem a característica mais importante, que torna o Brasil um caso único entre os Bric: a quarta democracia do mundo conseguiu usar a expansão econômica para reduzir as desigualdades, ao invés de aumentá-las como aconteceu com a China. “Nós somos uma exceção –acrescenta o economista Ernani Texeira da Brazilian Development Bank- também em relação às tendências das democracias liberais mais maduras”. Nos Estados Unidos e em grande parte da Europa, as diferenças de renda e de patrimônio se acentuaram. “Nossa sorte” -ironiza o economista  Fabio Gambiagi da BNDES- talvez seja ligada  a uma brincadeira da história. A nova constituição do Brasil democrático foi aprovada um ano e meio antes da queda do Muro de Berlim, numa época em que ainda existia confiança no papel do Estado”.

O primeiro que a aplicou de verdade foi Lula. Sua política social, que hoje continua com a presidenta Dilma Roussef, (ex-chefe de gabinete de Lula, um passado na luta armada, a prisão e a tortura durante a ditadura militar), “incorporou” pela primeira vez na economia multidões de pobres. O salário mínimo, que interessa 25 milhões de trabalhadores, depende de dois índices: a taxa de inflação, e o crescimento anual do PIL. Uma benção do céu em um período de grande crescimento como foi o dos últimos 8 anos. Hoje o mínimo vale mais que 300 dólares, um nível bem mais alto em relação aos outros países sul-americanos. “Esta é a melhor maneira para reduzir a desigualdade: enriquecer os pobres, ao invés de empobrecer os ricos”, observa Gambiagi. Não se pode falar o mesmo de Hugo Chavez ou do socialismo cubano. O Brasil conquistou uma admiração mundial por causa da invenção do Bolsa família, um subsidio direto para as mães que é pago apenas se os filhos vão regularmente à escola. Funciona, e é o melhor antídoto que já foi inventado contra o trabalho infantil.

Naturalmente, esta não é a Escandinávia, permanece uma terra com muitos pobres, corrupção, injustiças: mas é um dos poucos países no mundo onde o índice Gini que mede a distancia entre ricos e pobres diminui constantemente nos últimos 8 anos. Agora o milagre “de esquerda” brasileiro tem que enfrentar desafios importantes, filhos do seu próprio sucesso. Tem uma moeda fortíssima, que torna Rio e São Paulo as cidades mais caras do mundo, e não ajuda as exportações industriais. A supervalorização poderia se acentuar nos próximos anos por conta da descoberta de jazidas imensas de petróleo offshore, a 200 km da baía de Rio, que tornarão o Brasil a quarta ou quinta potência energética do mundo. Entende-se assim o interesse de Obama por este parceiro-rival, cuja força começa a sombrear o grande vizinho do Norte. Foi Obama que pediu explicitamente para incluir na sua visita em Rio uma favela, a Cidade de Deus. “Hoje pode explorá-la tranquilamente –me diz Ana Rodrigues- um ano atrás aqueles lá teriam atirado também no presidente dos Estados Unidos”.

Federico Rampini

Repubblica, 18/3/2011

Marco De Liso
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