10 jul Primo, secondo e contorno
É difícil dizer o que é a “cozinha italiana”. Principalmente, porque, como em quase todas as coisas importantes da cultura do meu país, as “Itálias” são muitas, vinte quanto nossas regiões, cem quanto nossas –principais- cidades. O que é igual no país todo é a parte pior da culinária, aquela condicionada e no fim destruída pela globalização, pela pressa, às vezes pela incapacidade nossa de parar e pensar no que é que nos dá mesmo prazer na vida. Na pausa pelo almoço, saindo do trabalho, os italianos comem macarrão pré-cozido ou sanduíches de atum, mas disso mesmo não vale a pena falar.
Mas quando conseguem fugir da indústria da alimentação forçada e da prisão da rotina, os italianos encontram algo que, talvez melhor do que qualquer outra coisa, define e qualifica nossa comunidade nacional. Quero repetir: não nos conteúdos, nem nos sabores. A panzanella (sopa de pão velho e tomates) que se pode comer na Toscana não será a mesma que o turista encontrará na Lombardia, onde em compensação ele poderá saborear a cassoela feita com quase todas as partes do porco, sem por isso ter esperança de achar por lá uma caponata que só pode ser feita com berinjelas da Sicilia. Sem falar das infinidades de queijos, embutidos, vinhos que são fruto da peculiaridade climática e natural de cada região e também de uma sabedoria milenar de populações há muito tempo acostumadas a cultivar sua própria terra com amor e cuidado. Claro que existem características comuns, como a tendência à simplicidade, o uso limitado de manteiga e outras gorduras, geralmente substituídas pelo nosso ótimo azeite de oliva (o que constitui a principal razão pela qual, apesar de alguns preconceitos, a cozinha italiana, e a mediterrânea no geral, não fazem engordar mais do que as outras), e naturalmente um amor pelo macarrão e pela pizza que une todos os italianos.
Mas como eu ia dizer, apesar das diferenças, todo italiano tem antes de tudo muito orgulho de sua tradição gastronômica. Isso poderia parecer óbvio ou normal, mas tem que pensar que meus compatriotas são no geral muito pouco nacionalistas, e têm em grau muito baixo a tendência a considerar seu país melhor do que os outros. Sua cidade, sim, é sempre a melhor do mundo; mas os italianos tendem a considerar ter sempre algo a menos do que os outros povos: menos organizados do que os alemães, menos modernos do que os holandeses, menos competitivos do que os americanos, menos civilizados do que os franceses, menos alegres do que os brasileiros… mas em questões de cozinha não tem discussão: nossos vinhos, nossos queijos e nossos pratos são únicos, e se saímos da Itália é talvez para viver melhor, mas com certeza também para comer pior!
O assunto seria infinito, tanta é a importância que possui em nossa cultura, mas hoje queria resolver uma dúvida de alunos e amigos brasileiros: porque falamos tanto de primo, secondo e contorno? O que vem a ser tudo isso? Em um típico almoço italiano não se encontrará um prato único: o italiano não gosta da mistura de sabores, e sempre prefere a simplicidade. Restaurante por quilo, em que você coloca um monte de comidas mais ou menos desconjuntadas no mesmo prato, não existe e provavelmente nunca vai existir na Itália. A refeição completa começa pelo antipasto, que pode incluir torradas, embutidos, queijos; continua com o primo piatto, que pode ser um dos mil tipos de macarrão, um risotto, uma minestra (sopa); em seguida chega o secondo piatto, geralmente de carne ou de peixe, acompanhado por verduras e legumes o (contorno). Para concluir, um dessert (palavra bem pouco italiana, mas que usamos para indicar algo de doce como por exemplo um bolo caseiro) e o inevitável caffè (espresso, nem precisa falar: é o único que exista na Itália, os outros são considerados “cose da americani”). O leitor deve estar pensando que para comer tudo isso deve precisar de muito tempo. E precisa mesmo, aliás, o tempo necessário cresce ainda mais por causa das conversas demoradas que sempre acompanham a refeição, e pelas esperas que nos restaurantes italianos nunca são breves. Mas no fim, se a mesa é um lugar de prazer, de encontros , de conhecimento, porque deveríamos querer levantar tão cedo? Buon appetito a tutti!