04 jan Cesare Battisti: uma crise entre Itália e Brasil?
Nestes dias a imprensa italiana destaca um assunto ligado diretamente às relações entre Itália e Brasil: o “caso” Cesare Battisti. Este blog não nasce para defender posições políticas, mas para ajudar o público brasileiro a compreender a realidade italiana, inclusive a parte relativa ao debate político, que na cultura do meu pais é certamente um aspecto importante. Quero então dar uma contribuição para compreender como toda a questão é vista do lado italiano.
Na Itália neste momento quase todo mundo conhece esta história: Cesare Battisti (homônimo de um herói do “Risorgimento” italiano!) é um aventureiro que desde os seus 17 anos começou a ter vários problemas com a justiça, por roubos e assaltos, inicialmente sem conotação política. Na prisão encontra uns dirigentes de um grupo terrorista de esquerda, os PAC (Proletari Armati per il Comunismo). Fica envolvido em 4 assassinatos organizados pelo grupo armado, pelos quais só em 2006 se declarou inocente. É condenado pela justiça italiana à prisão perpetua. Em 1981 foge da prisão, e vai primeiro para a França, depois no México, em fim na França de novo, depois que este pais resolveu acolher protagonistas dos “anos de chumbo” italianos, desde que renunciassem, obviamente, à luta armada e que se integrassem na sociedade francesa. Battisti mora 14 anos na França, entra no meio intelectual de Paris e encontra um bom sucesso como escritor de romances. Em 2004 a França muda sua política e concede a extradição de Battisti, que foge novamente, até ser preso no Brasil, em Copacabana, em 2007. O resto é história recente, até a última decisão do Presidente Lula contraria à extradição.
A questão é muito complexa, e neste espaço seria difícil afrontá-la integralmente. Do ponto de vista da história recente italiana, é interessante notar a dificuldade que tem no meu pais em superar os conflitos políticos da década de 70 do século passado. Na Itália naquela época havia um movimento armado de extrema esquerda que teve de alguma forma o apoio direto ou indireto de alguns milhares de pessoas, em uma fase histórica em que a violência política envolvia também grupos neo-fascistas de extrema direita e até setores do aparato estadual. Existe uma legislação especifica extremamente dura contra os crimes políticos, que suspende muitas garantias democráticas para quem é acusado de terrorismo e poupa apenas quem, além de declarar “arrependimento” tenha ajudado a capturar militantes de grupos armados. A sociedade italiana se recusa a considerar os crimes daquela época no contexto histórico, e a ajudar, também do ponto de vista judiciário, a declarar aquela conjuntura ultrapassada para sempre; uma visão oposta, por exemplo, àquela que a França teve no período da presidência de François Mitterand. Hoje na Itália temos um protesto principalmente por parte da mídia e de ambientes governativos em relação à decisão do Brasil. A adesão popular é escassa, mas de fato quase ninguém se atreve a assumir publicamente posições diferentes.
Este protesto tem a adesão exaltada dos grupos mais conservadores; muitos representantes do atual governo naquele tempo eram envolvidos na luta política em posições extremas: o atual ministro da defesa, Ignazio La Russa, chefiou o movimento neo-fascista “Fronte della Gioventù”. A esquerda também não se diferencia: quando se trata de enfrentar temas relativos ao seu passado dificilmente consegue fugir do sentimento de culpa que a caracteriza, e que a leva muitas vezes a assumir as mesmas posições da direita. Não faltaram atitudes ofensivas contra o Brasil e principalmente contra o seu presidente. A indignação do governo é dificilmente justificável, frente ao quase absoluto silêncio que as autoridades italianas mantiveram quando os ex-terroristas, ao invés de se esconder nos países da America do Sul, ensinavam sociologia nas melhores universidades da capital francesa.
Agora, toda esta questão é claramente muito séria e envolve considerações éticas, políticas, históricas. O Cesare Battisti, é a nossa última observação, não parece ser uma personagem à altura de tamanhos interrogativos. De fato é forte a suspeita que se trate basicamente de um oportunista que aproveitou da situação para tirar a máxima vantagem de uma crise internacional completamente desproporcionada a sua história de vida e a sua atitude moral. Queremos lembrar de um italiano de diferente estatura, Adriano Sofri: intelectual apreciadíssimo, condenado também pelo assassinato do delegado de polícia Luigi Calabresi em conclusão de um processo extremamente contraditório, baseado nas declarações de apenas um “pentito”, se recusou a fugir para a França, onde teria sido tranquilamente acolhido, e resistiu a todas as pressões para pedir procedimento de indulgência junto com a Presidência da Republica, que com absoluta certeza teria sido aceito, alegando que um inocente não pode pedir nenhum tipo de “perdão” institucional. Pagou a sua coerência com 12 anos de prisão efetiva e apenas por razões de saúde hoje desconta a pena na sua residência. Bem diferente de um Cesare Battisti qualquer.
Marco De Liso
italianonline