Um milhão de euros: história de Michela

Um milhão de euros: história de Michela

A história que contarei hoje, parece sem dúvida um filme. E exatamente como no filme vencedor do Oscar 2009 Quem quer ser um milionário, esta história trata de alguém que chegou a ganhar uma enorme soma de dinheiro participando de um programa televisivo de perguntas e respostas; e  como naquele filme, a pessoa que levou um milhão (neste caso, de euros) para sua casa não corresponde minimamente ao estereótipo que o sistema comercial da mídia espera para recobrir este tipo de papel.
Jamal Malik, o protagonista do filme de Danny Boyle, sabia todas as respostas porque, por coincidência, as tinha aprendido durante  sua vida difícil de menino de rua nas favelas de Mumbai, na Índia; Michela De Paoli, dona de casa (assim se apresentou) de 43 anos, as sabia por uma razão mais simples: estudou muito. Formada em letras, conhece cinco línguas,  tem uma grande paixão pela leitura e uma ótima memória; chegou até a última pergunta do programa,  sem pedir nenhum tipo de ajuda.

O programa, Chi vuol essere milionario, é o mesmo do filme; existiu uma versão brasileira também, mas na Itália o sucesso foi infinitamente maior e o condutor, Gerry Scotti, é um dos profissionais mais afirmados da TV aberta italiana.

Como os jornais italianos não deixam de remarcar, Michela não é muito jovem nem muito bonita; quando entrou no estúdio televisivo, teve, por causa de sua timidez, um acesso de riso que mal conseguiu controlar. Durante o programa parecia muitas vezes não saber em que direção olhar. Neste vídeo infelizmente tem uma pequena propaganda: problemas da TV comercial!
Depois da noite de 27 de janeiro, em que Michela respondendo a todas as perguntas ganhou um milhão de euro, o sistema da mídia fez de tudo para reconduzi-la aos padrões tranquilizadores de obtusa superficialidade que se esperam de um personagem televisivo, encontrando todavia uma resistência insuperável. Filha de um eletricista, casada com um operário de origem albanesa, apesar de sua inteligência e de suas qualidades conseguiu entrar no mercado do trabalho apenas como recepcionista, foi demitida no auge da crise mundial e não conseguiu voltar a trabalhar.  Hoje, ela escreve ao jornal Corriere della Sera uma carta da qual vou traduzir uns trechos, porque dá uma imagem da Itália muito interessante, e talvez, para os brasileiros, um pouco surpreendente.

“Querido Diretor, talvez uma dona de casa que ganha um milhão de euros no “Milionario” teria sido manchete em qualquer país. Mas na nossa Itália de hoje, a notícia deveria ser que aquela dona de casa, estou falando de mim, não o é por escolha, mas por necessidade. Prefiro falar que sou dona de casa, apenas porque soa melhor assim do que “desempregada” (…). Sinto que eu poderia oferecer algo para esta sociedade, mas até hoje não tive a ocasião, ou ninguém quis me dar esta ocasião. Por isto, não devem maravilhar-se se, ao contrario de quem ganhando muito dinheiro sonha em parar de trabalhar, a minha maior esperança é de poder começar. Digo, e repito, que me contentaria de um lugar de recepcionista, mas o meu sonho é me tornar organizadora de eventos…”

A opinião de Michela sobre a atual situação italiana é muito clara:

“A Itália não é um país para pessoas inteligentes; ao contrario, é um país culturalmente à deriva, onde quase todos pensam apenas em aparecer, onde a aparência conta mais do que a inteligência… algumas vezes cheguei a pensar: se pudesse voltar atrás, eu seria cabeleireira! Mas de verdade, nunca me arrependi dos anos que dediquei aos livros e ao estudo… de uma coisa tenho certeza: têm muitas pessoas na Itália que, como eu, poderiam dar muito, mas não tem a oportunidade. Minha revanche de hoje, que chega depois de tantas portas fechadas na minha cara, servirá para eles como exemplo, ou lhes dará esperança? Não sei.”

Nem eu, na verdade, tenho certeza, mas com certeza tenho a sensação que a sorte desta vez bateu na porta de uma pessoa que não vai desmerecê-la. Questionada sobre o que fará com o dinheiro ela respondeu: vou comprar uma casa, geminada, para poder viver junto com meu marido e a minha família; a condutora do programa da tarde em que ela estava participando insistiu: naturalmente, isso para começar! Mas recebeu em troca um olhar vazio de quem não está entendendo o que exatamente deveria estar começando, alem da expectativa de viver uma vida normal, e talvez de ver reconhecidas, simplesmente, suas próprias qualidades. Na esperança que a Itália volte a ser aquele país para pessoas inteligentes que, tantas vezes durante a nossa longa história, foi.

Marco De Liso
italianonline

Italianonline Escola de Língua Italiana
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